Em 1 de novembro de 2022, os deputados estaduais Antonio Tadeu Veneri, Arilson Maroldi Chiorato, Maurício Thadeu de Melo e Silva, Jorge Gomes de Oliveira Brand, Luciana Guzella Rafagnin e José Rodrigues Lemos ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei Estadual n.º 20.933/2021 (conhecida como Lei Geral das Universidades – LGU). Essa ADI foi ajuizada porque considera-se que a LGU constitui uma ofensa à autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição da República e art. 180 da Constituição do estado do Paraná. No início dessa ação, a Assembleia Legislativa do estado do Paraná (Alep) e a Procuradoria-Geral do estado (PGE) se manifestaram afirmando que a lei não fere a autonomia universitária. No entanto, o Ministério Público (MP) se pronunciou apontando a inconstitucionalidade de alguns artigos da LGU. Nos meses seguintes, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes– SN) entrou como amicus curiae (ou seja, como parte interessada que pode fornecer documentos para subsidiar a apreciação do juiz) e, ante novas manifestações da PGE (com subsídio da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – Seti) e da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), protocolou manifestação (16/10/23) discordando das considerações apresentadas pelo estado do Paraná e reafirmando a defesa da inconstitucionalidade da LGU. Assim, a PGE determinou que as partes, as amici curiae e a PGJ se manifestassem sobre as novas peças apresentadas pela PGE. Diante dos novos documentos juntados pelas partes e da controvérsia em questão, em 6 de novembro de 2023, a PGJ solicitou informações adicionais das sete universidades estaduais acerca dos impactos da LGU no desenvolvimento de suas atividades cotidianas. Em síntese, são essas as questões que demandaram manifestação das Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES):

a) como foi operacionalizado o registro, a centralização e a redistribuição de vagas de docentes e do pessoal administrativo das Universidades. Ao que se infere, antes da Lei Estadual nº 20.933/2021, as vagas estavam atreladas às Universidades. Com a Lei Estadual n.º 20.933/2021, as vagas passaram a se atrelar ao “Sistema Estadual de Ensino Superior” e foram redistribuídas a partir de fórmula constante no diploma legislativo questionado. Assim, a dúvida é saber se: (a.1) após a redistribuição, as vagas voltaram a estar atreladas às Universidades; (a.2) a redistribuição implicou (ou implicará) a redução de cargos que se atrelavam às Universidades e, em caso positivo, se essa diminuição atinge (ou atingirá) cargos que estavam/estão efetivamente ocupados e/ou somente abrange cargos vagos (isto é, cargos que, a despeito de criados em lei, não foram providos). Quanto a esse ponto, seria de extrema relevância que fossem colhidos os posicionamentos da UEL e da Unioeste, pois os gráficos apresentados pelo próprio Estado do Paraná parecem sugerir a redução de cargos efetivamente ocupados nessas duas instituições; b) se, em momento anterior à Lei Estadual n.º 20.933/2021, a realização de concursos públicos para o provimento de cargos de docentes exigia a obtenção de autorizações específicas do Chefe do Poder Executivo. Da mesma forma, é relevante compreender se, em momento anterior à Lei Estadual n.º 20.933/2021, a contratação temporária de professores dependia da obtenção de autorizações específicas do Chefe do Poder Executivo;

c) qual é a relevância dos professores contratados temporariamente para a consecução das finalidades institucionais das Universidades Estaduais, indicando se, antes da Lei Estadual n.º 20.933/2021, havia contratações temporárias que se relacionavam ao desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão e se a eles era (ou não) atribuído regime de trabalho de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (TIDE);

d) qual é a relevância do regime de trabalho de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (TIDE) para consecução das finalidades institucionais das Universidades Estaduais e qual é a repercussão prática da definição do teto de 70% pela Lei Estadual n.º 20.933/2021.

As universidades tiveram o prazo para enviar manifestações das procuradorias jurídicas até o dia 6 de fevereiro de 2024. Para facilitar, dividimos a exposição e a análise das respostas em temas:

1. Autonomia universitária Não se evidencia, de forma categórica e substancial, a defesa da autonomia universitária como princípio político e constitucional e, desta forma, não há posicionamento assertivo à inconstitucionalidade da LGU, mas apontamentos tópicos. Em sua manifestação, quando se faz referência à autonomia universitária, a UEL aponta a interferência estatal na autogestão da política universitária, na limitação do teto de 70% para TIDE e, no caso da UEM, na limitação de 80% do quantitativo das vagas autorizadas para realização de concurso público. Em oposição a isto, a administração da Uenp argumenta que a ingerência estatal promovida pela LGU, em termos orçamentários, não fere a autonomia universitária e que ADI é improcedente.

Diante das manifestações apresentadas pelas Procuradorias Jurídicas das sete IEES é notório que não há por parte das administrações um posicionamento crítico em relação à LGU. Aliás, desde o ano de 2019 quando o debate foi pautado pelas seções sindicais, as administrações não se voltaram ao enfrentamento da proposta apresentada pelo governo. Ao contrário, em algumas IEES, houve defesa contundente das melhorias que a LGU supostamente traria para as universidades, colocando-se como suas propagandistas. Em nenhum momento, os ataques da LGU à autonomia universitária foram pontuados pelas administrações e, nas manifestações apresentadas, isso aparece de forma explícita. Quando mencionada, a autonomia universitária é reduzida ao campo administrativo e não como princípio político e constitucional.

De nossa parte, conforme já registrado em boletins, assembleias, seminários, pareceres jurídicos e, mais recentemente, em parecer institucional elaborado por docentes do curso de Direito da UEL, mantemos a convicção da inconstitucionalidade da LGU.

2. Concursos públicos Em quase todas as manifestações, a redação do art. 15 da LGU (incorporado como art. 10 na Lei 21.852 de 15 de dezembro de 2023), que aborda a realização de concursos públicos, é considerada como ponto positivo, uma vez que amplia a autonomia das universidades, que passaram a ter a competência de homologar os concursos públicos e prorrogar o prazo de validade dos certames, por meio do Conselho Superior, solicitando à Seti as providências para a nomeação. No caso, a autorização governamental será exigida quando os concursos visarem suprir cargos acima do estipulado em lei, ou seja, acima do limite de 80% dos cargos que foram atribuídos pelo Decreto estadual n. 10.824/22. No caso da UEL, afirmou-se que, até agora, a LGU não trouxe nenhuma alteração relevante ao que vinha sendo exercido pela universidade. Por sua vez, a manifestação da UEM expõe que, apesar desta alteração, o exercício da autonomia não é pleno, pois resta às universidades somente a realização dos concursos, desde que se atenda ao limite de 80% estabelecido na lei.

Sobre esse tema, importa salientar ainda que, sem a autonomia das universidades para nomeação dos aprovados, a realização do concurso pode ser ato administrativo morto, pois, como sabemos, mesmo autorizados, há concursos da década passada cujos candidatos não foram nomeados ou somente se efetivaram mediante medida judicial.

3. Contratação de pessoal Ainda sobre a contratação de pessoal, as manifestações apontam que, atendendo ao limite estabelecido na lei, a contratação temporária tem sido a estratégia adotada pelas universidades para suprir a demanda por força de trabalho. A UEL reforça que vem recorrendo de forma mais acentuada a contratação de temporários em razão da não realização de concurso público e ao aumento gradativo das vacâncias. Sobre a autorização para contratação temporária, a Uenp coloca como um avanço da LGU o fato de as universidades não terem mais que, anualmente, solicitar autorização para tais contratações. Com exceção da UEM, as outras universidades não apresentam nenhuma preocupação ou crítica sobre a expansão das contratações temporárias.

O próprio questionamento da PGJ já induz resposta positiva sobre a relevância dos professores contratados temporariamente para a consecução das finalidades institucionais das universidades. Mesmo havendo espaço para que as IEES denunciassem a tendência de aumento de contratação temporária e, por outro lado, a não reposição das vagas de docentes ou ampliação de pessoal efetivo, houve um silenciamento por grande parte das sete universidades.

Da mesma forma, embora não tenha sido questionado pela PGJ, as manifestações não apontam os desdobramentos das contratações temporários em relação às condições de trabalho. Somente a UEM indica que a LGU exige que o docente com contrato de trabalho de 40h semanais deverá cumprir, no mínimo, 18h/a semanais em sala de aula na graduação, não restando carga horária para a pesquisa e extensão. Embora não tenha tido uma pergunta específica sobre as condições de trabalho dos docentes com contratos temporários, entendemos que a situação de precarização e de elevação da carga horária de aulas – o que implica em nula ou mínima participação em outras atividades – poderia ter sido exposta nas manifestações. Neste, como em outros assuntos, o silenciamento diz muito sobre o posicionamento favorável ou a letargia das administrações das IEES em enfrentar a LGU e os desmandos governamentais.

4. Vagas No que diz respeito ao questionamento do número de vagas/cargos, as sete universidades se pronunciaram. Unioeste, Unicentro, UEPG, Unespar e Uenp mencionaram que, com a LGU, a distribuição dos cargos/vagas foi favorável para o aumento dos servidores (docentes e agentes universitários). A UEM informa que não houve redução dos cargos de professor, mas afirma que o pessoal do quadro de agentes universitários teve uma elevação. Em sua manifestação, a UEL menciona que o número de docentes efetivos que balizou a distribuição de vagas não levou em consideração as modificações que poderão ocorrer caso haja alteração das variáveis definidas na lei, como a continuidade dos cursos de graduação e possível redução do número de estudantes e, assim, do coeficiente para manutenção/contratação de docentes. E, ainda, enfatiza que a universidade sofreu forte redução no número de vagas de docentes efetivos, agentes profissionais e de execução, tanto em relação ao quantitativo fixado em leis anteriores, quanto em relação às vagas atualmente ocupadas por servidores efetivos.

É preciso alertar para o cuidado da análise sobre as manifestações em relação à recomposição do quadro de servidores nas universidades. Em termos absolutos ocorreu/ocorrerá um crescimento quantitativo dos servidores, porém, esse crescimento deve ser analisado numa linha histórica mais abrangente e em comparação com outras IEES, visto que essas “jovens” universidades possuem, desde o nascimento, um quadro muito reduzido de docentes e agentes universitários – ou seja, a base de comparação é muito rebaixada. E, ademais, se é positivo o aumento do quadro de pessoal – por óbvio, uma condição fundamental para o desenvolvimento dessas universidades –, o crescimento de universidades recentes e em processo inicial de expansão não pode ocorrer condicionado ao sucateamento das universidades mais antigas e que estão mais estruturadas, com maior número de cursos de graduação e pós-graduação, de estudantes e servidores. A parametrização estipulada na LGU toma por referência a realidade de universidades que foram criadas num contexto de Meta-4, agregação de faculdades isoladas, reduzido orçamento e limitado quadro de pessoal ou, então, daquelas cujas vagas não foram anuídas e que, portanto, ficaram represadas em relação às nomeações de concursos anteriores.

Salientamos que as manifestações, embora em algumas universidades tenha ocorrido menção em relação à diminuição do número de vagas, não questionam as mudanças processadas pela LGU e posterior Decreto 10824/2022, que provocaram uma redução do quantitativo das vagas que fora aprovado pela Lei 16555/2010 de forma mais ampla no sistema estadual de ensino superior do Paraná. As IEES que tiveram um aumento do número de vagas fazem uma leitura fragmentada e reduzida, desconsiderando as implicações para o desenvolvimento mais amplo e a longo prazo de todas as universidades estaduais do estado.

5. TIDE Sobre as indagações do TIDE, as sete universidades afirmam que é essencial para o desenvolvimento do tripé ensino-pesquisa-extensão. Porém, somente UEL, UEM e Unicentro salientaram a necessidade de elevação ou supressão do teto de 70% dos docentes efetivos com TIDE, pois a sua manutenção acarretará dificuldades para a manutenção da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e, , especialmente, enterrará qualquer perspectiva das universidades continuarem a busca contínua do melhoramento da pesquisa científica e dos programas extensionistas ofertados à população. Unioeste, UEPG, Unespar e Uenp nada disseram sobre o assunto.

Quanto ao TIDE para docentes com contrato de trabalho temporário, apenas UEM e Unicentro se manifestaram. A UEM fez uma boa defesa da necessidade de concessão de TIDE a esses docentes, enquanto a Unicentro lembrou que, até meados da década passada, o TIDE era concedido. Como se nunca houvessem concedido TIDE aos docentes com contrato de trabalho temporário, as outras IES silenciaram sobre o assunto.

6. Orçamento Sobre o orçamento, embora não haja questionamento da PGJ sobre o assunto, quatro universidades se manifestaram: Unioeste, UEPG, Unespar e Uenp. A Unioeste aponta que houve uma melhor definição de valores com a LGU, gerando segurança para o planejamento. A UEPG aponta que houve aumento dos recursos orçamentários executados referente ao biênio 2022/2023. Quanto à Unespar, informa que, a partir de 2022, houve mudanças significativas com a implantação dos novos parâmetros para financiamento. Por fim, a Uenp menciona que a proposta orçamentária cresceu em 2023, considerando que a universidade sempre manteve seu orçamento aquém das suas necessidades. Portanto, só respostas laudatórias à LGU.

Nenhuma universidade questionou o novo regramento para o financiamento das universidades estaduais paranaenses que determina que, na elaboração das propostas orçamentárias, a previsão de recursos necessários ao pagamento de despesas de custeio das atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração observará o número de alunos equivalentes e número de trabalhadores terceirizados equivalentes por universidade. Com isso, mesmo universidades que alegam terem sido favorecidas com as regras de orçamento previstas pela LGU ainda estão aquém do orçamento de custeio de 2010. No caso da Unioeste, por exemplo, em 2010 foram empenhados 13,5 milhões de reais para outras despesas de custeio (ODC) e, em 2023, 24,1 milhões, mas, com correção inflacionária, este valor teria que ser de 28,8 milhões – portanto, 20% a mais do que foi efetivamente destinado. Além disso, tampouco se questiona o valor mínimo anual de cada aluno equivalente e de cada trabalhador terceirizado, que, de um lado, engessa o orçamento de custeio das universidades paranaenses a níveis insustentáveis – por exemplo, proporcionalmente, muito aquém dos orçamentos das universidades federais e numa distância muito longínqua dos orçamentos das estaduais paulistas – e, de outro, implica na contratação de trabalhadores terceirizados com salários extremamente rebaixados e direitos precarizados.

Nesse sentido, universidades que nasceram com orçamentos exíguos, absurdamente rebaixados, com infraestrutura precária e quase sem órgãos suplementares e serviços extensionistas, acabam considerando o orçamento prescrito pela LGU como um avanço, mas isso porque, em sua inanição, a simples sobrevivência parece algo digno. Desse modo, silenciam sobre o fato de que, mantido esse perfil orçamentário, o horizonte para se tornarem verdadeiras universidades – com a infraestrutura predial e laboratorial necessárias, bem como com efetivas políticas de assistência estudantil – está praticamente vedado.

De modo geral, nenhuma manifestação das IEES enfatiza que, no médio prazo, as universidades estaduais paranaenses têm passado por um “desfinanciamento” e que é imprescindível um crescimento dos orçamentos para que haja desenvolvimento. Os orçamentos “padronizados por critérios rebaixados” são incapazes de atender legitimamente às reais demandas e necessidades tanto das universidades mais consolidadas quanto das mais jovens e precarizadas. Assim, a lógica estabelecida pela LGU, segundo a qual o crescimento orçamentário de algumas universidades se faz às custas do achatamento/estagnação dos orçamentos de outras apenas consolida a autofagia entre as universidades no interior do sistema de ensino superior, com resultados perversos para todas, mesmo para aquelas que, no curtíssimo prazo, possam se beneficiar com orçamentos um pouco maiores, mas ainda assim, muito minguados ante as reais necessidades de desenvolvimento e consolidação de um sólido tripé ensino-pesquisa-extensão.

Não à LGU! Em defesa das universidades públicas paranaenses!