A autorização pelo governo Bolsonaro (sem partido), mesmo que de forma excepcional, da substituição das atividades presenciais por aulas em plataformas de ensino a distância (com exceção aos cursos de Medicina, estágios obrigatórios e disciplinas que exigem laboratórios), através da Portaria nº 343 de 17 de março, é mais uma estratégia para a precarização da educação superior no Brasil.
A suspensão das atividades acadêmicas está em total concordância com orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que têm por objetivo reduzir a disseminação do novo coronavírus. A suspensão do calendário acadêmico está em consonância com o que orientam as autoridades de saúde e é essencial para evitar propagação ainda maior do vírus. Porém, pensar em educação a distância massivamente, voltada aos mais amplos públicos das mais diversas áreas do conhecimento, é uma maneira simplista de entender a geração de conhecimento e suas especificidades, os princípios de uma Universidade e o próprio conceito de EaD, uma vez que os projetos pedagógicos de cursos presenciais que incluem a educação a distância têm a limitação de 20% das disciplinas do currículo neste formato.
Vivemos uma situação excepcional, com certeza nunca vista pela maioria de nós. É compreensível a dificuldade de encontrar uma solução viável e a preocupação com a conclusão do ano letivo e, em muitos casos, a colação de grau. Mas isso não deve ser argumento para descumprirmos pressupostos já colocados e que claramente impõem prejuízos aos estudantes e professores.
Precisamos entender a diversidade interna existente em nossa instituição. O elemento central a ponderar nesse momento em especial é que os alunos devem receber tratamento igualitário, mas a partir de condições iguais. Porém, é sabido que uma parcela considerável de estudantes não têm acesso à internet ou à internet com a qualidade requerida para a EaD, ou mesmo a disponibilidade de computadores em casa, ambientes minimamente adequados ao estudo, entre outros. Por outro lado, nem todos os professores têm à disposição boas condições de internet ou o manejo necessário para trabalhar com qualidade na plataforma a distância. Ademais, em casa – situação imposta pela pandemia vivenciada nos dias atuais -, muitos professores precisam dar conta de atividades domésticas, cuidados com os filhos, além das tarefas próprias da profissão.
“Estudo sobre a EAD no contexto da COVID-19”, encomendado e divulgado pela administração da UEPG, indica como alternativa o uso dos laboratórios e rede de internet disponibilizados nos campi. A proposta supõe que os alunos saiam do distanciamento e isolamento social e coloquem em risco a própria saúde. Além disso, é de conhecimento geral que a estrutura disponível não é capaz de atender a demanda e não oferece qualidade mesmo na rotina normal da universidade.
Não é possível ignorar ainda que o momento de pandemia que preocupa toda a população do planeta naturalmente prejudica condições gerais de saúde mental da comunidade discente e docente. A necessidade de acompanhar ou produzir as aulas pode criar um problema a mais para aqueles que tanto estão preocupados com o dia de amanhã. Ainda não há maneiras de retornar à normalidade, especialmente por meio de políticas como esta, que além de não minimizar danos ao andamento de ano letivo, pode provocar ainda mais transtornos. É hora da reinvenção da nossa realidade, comecemos com o cuidado com aqueles que estão ao nosso redor, em nossa comunidade acadêmica.
Discussões nessa linha começam a se estabelecer ao nosso lado e nos apontam caminhos. Por exemplo, a UFPR e UEL já prorrogaram as suspensões totais de seus calendários até maio, e UTFPR por tempo indeterminado, haja visto que as previsões para abril indicam o aumento ainda bastante acentuado do número de casos de COVID-19 e qualquer ação das instituições de educação superior antes disso é precipitada.
Em todo caso, a inclusão pedagógica deve ser pensada com extrema cautela, para que não haja prejuízos para aqueles que mais precisam do apoio e compreensão da nossa Universidade neste momento. É necessário planejar e implementar ações sem atropelo, ainda mais em um momento tão crítico como o que estamos passando com esta terrível pandemia. Essas ações devem ser cautelosas, considerando as necessidades do nosso corpo discente, principalmente dos mais vulneráveis. Essas ações devem incluir estratégias que incluam a todos, sem exceções, e sem que haja prejuízo no aprendizado e, depois, rever o ano letivo.
Finalmente, sugerir que alunos impossibilitados de participar das aulas tenham que repor as atividades ao fim da suspensão do calendário e do isolamento social completa a lista de ideias que criariam mais problemas que soluções. Impõe uma adaptação repentina e impossível aos projetos de cursos que não foram elaborados para este formato e, o mais grave, estabelece como regra o tratamento desigual aos estudantes.
Contamos com a compreensão e bom senso dos conselheiros para que se evite prejuízos ao aprendizado, ao bem-estar, à saúde física e mental, e segurança de toda a comunidade universitária.
Aulas podem ser repostas, vidas não!
Pela VIDA, manutenção da suspensão do calendário acadêmico!