Nos dias 25, 26 e 27 de setembro de 2024, no campus da Unespar-Curitiba, a Seti realizou o Seminário Estadual de Coordenações de Cursos de Graduação do Paraná, que teve como tema Oportunidades e Perspectivas dos Cursos de Bacharelado e de Tecnologia das Universidades Estaduais.
Dentre as atividades, cabe destaque ao painel Políticas e regulação do sistema estadual de ensino superior do Paraná, apresentado pelo secretário da Seti, Aldo Bona, e complementado pelo ex-secretário João Carlos Gomes. Nele, foram apresentados dados que explicitaram a motivação que levou a Seti a organizar o evento: matrículas em queda e evasão em alta, com aumento do percentual de vagas não ocupadas ‒ portanto, subocupação das vagas ofertadas nas universidades estaduais. Conhecida e objeto de preocupação das comunidades acadêmicas, essa informação foi apresentada com o acréscimo de uma advertência: neste ano, 2024, o governo do estado aumentou o volume de recursos destinados às universidades ‒ especialmente sob a forma de emendas governamentais e dinheiro do Fundo Paraná ‒ e, portanto, exige resultados correspondentes ao investimento. Em outras palavras, por ter recomposto parte do orçamento de custeio das IESS e de recursos para investimento nas IEES neste ano ‒ e, mesmo assim, ficando aquém do montante que era há dez anos ‒, o governo exige reversão nos números de matrículas e de evasão. Por conseguinte, não é difícil compreender que as palestras e as perguntas que conduziram as discussões nos grupos de trabalho tenham sido pensadas como ‒ supostos ‒ subsídios para a resolução desse problema.
Sobre isso, seria ofensivo dizer que os docentes não têm clareza e nem preocupação com a subocupação das vagas nas universidades públicas estaduais, ainda mais cientes de que essa subocupação expressa a ausência de muitos filhos e filhas de trabalhadores nos bancos dessas universidades. Ampliar a presença dessas pessoas ‒ isto é, da maioria da população ‒ nas universidades públicas e, ao limite, universalizar o acesso ao ensino superior público são preocupações dos docentes, seus movimentos e organizações sindicais há muitas décadas. E, a bem da verdade, a expansão do ensino superior público nunca foi uma benesse dos governantes, mas o resultado da luta e da labuta de décadas de trabalhadores ‒ dentro e fora das instituições educacionais ‒ e de segmentos das classes médias do estado e do país. Do mesmo modo, os docentes sempre defenderam uma ampliação do acesso sem prejuízo da qualidade da educação, uma ampliação sem diminuição do respectivo investimento proporcional. Portanto, para além dos discursos e intenções, neste e noutros aspectos ficam explícitas as discordâncias das seções sindicais com a Seti e as motivações que a levaram a realizar o referido evento. Vejamos.
Para a Seti, a LGU é uma lei adequada para o pleno funcionamento das universidades, os recursos orçamentários e de outros fundos e órgãos de fomento ascenderam a um nível suficiente para a custeio e investimentos e, claro, a subocupação têm como causas prioritárias as (más) práticas didático-pedagógicas docentes e a rigidez curricular dos cursos; ou seja, problemas cujas soluções dependem basicamente da requalificação e/ou da vontade dos docentes para se engajarem nas mudanças necessárias ‒ e não de ampliação substancial e duradoura, capaz de sustentar projetos de médio e longo prazo, dos recursos de custeio e investimento.
Numa espécie de prévia dessas supostas “soluções”, as atividades realizadas no seminário destacaram as orientações para a incorporação de novas tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem ‒ não é casual, então, que um acordo para cursos de formação de docentes e discentes tenha sido assinado pela Seti com o Google durante o evento e a palestra de abertura sido de um gerente desta empresa ‒, a formação orientada ao empreendedorismo ‒ isto é, fomento ao individualismo e à formação pragmática ‒ e flexibilização curricular como estratégia institucional para diminuir a evasão. Em razão disso, as questões propostas para discussão nos grupos de trabalho induziam ao estreitamento da reflexão sobre os problemas da subocupação e à produção de respostas imediatistas e voluntaristas. O efeito disso ficou evidente na apresentação dos resultados de alguns grupos, embora outros tenham apontado problemas muito mais profundos, salientando especialmente a complexidade das causas da subocupação de vagas, dos seus condicionantes imediatos ‒ redução da procura e aumento da evasão ‒ e dos caminhos possíveis para a amenização/resolução do problema.
Na plenária, os grupos de maior espírito crítico demonstraram grande discordância com um evento que 1. toma como fato dado e não passível de enfrentamento pelo estado a proliferação de cursos caça-níqueis nas IES privadas, geralmente na modalidade EaD, que esvaziam os cursos presenciais das universidades públicas, especialmente as licenciaturas; 2. apaga a década de cortes orçamentários que resultaram no sucateamento da infraestrutura das universidades e em arrocho salarial; 3. esquece uma década sem concurso público para contratação de docentes e, mais de uma, sem a contratação de agentes universitários; 4. desconsidera que a falta de agentes universitários desvia os docentes de suas funções próprias para a execução de atividades de secretaria, sobrecarregando-os com atividades burocráticas e prejudicando ensino, pesquisa e extensão; 5. finge que não há problema com os softwares arcaicos que são utilizados para o gerenciamento da organização acadêmica nas universidades e que tornam inviável a gestão de currículos efetivamente flexíveis; 6. trata com naturalidade que as universidades sejam aviltadas por encomendas governamentais elaboradas por burocratas da educação (em menor escala, algo semelhante ao que ocorre nas escolas da educação básica), dependam das humilhantes emendas parlamentares para investimentos e, em muitos casos, de apadrinhamento político que induz ao atendimento forçado de interesses provincianos (dá para imaginar a USP abrindo cursos para atender pedidos de prefeitos ou deputados de cidadezinhas paulistas?); 7. releva a insuficiência das políticas de assistência estudantil ‒ como, por exemplo, a inacreditável ausência de restaurantes universitários na imensa maioria dos campus das IEES ‒ e suas consequências sobre os índices de evasão; 8. faz vistas grossas ao avanço da extrema-direita e, com ela, da aversão à educação filosófica, científica e artística ‒ portanto, ao avanço do irracionalismo ‒ e suas consequências ainda mais acentuada sobre os cursos de humanidades; 9. por fim, dentre outros, silencia sobre o fato de que a LGU aprofunda a supressão da autonomia das universidades e estabelece um horizonte rebaixado de funcionamento ‒ trabalhadores e recursos de custeio e investimento ‒ para todas as integrantes do sistema estadual de ensino superior. Em síntese, nas discussões nos grupos foram expostos muitos aspectos relacionados ao problema de custeio, à perversidade das influências políticas, à precarização da infraestrutura das universidades e das condições do trabalho docente.
Para as seções sindicais ‒ e é importante esclarecer isso ‒, as universidades não são monumentos intocáveis que, tendo nascido prontas, não precisam passar por mudanças. Ao contrário, mudanças são necessárias, mas não para perverter as suas finalidades legais e institucionais. Mudanças podem e devem ser propostas e realizadas por meio de processos de debate e deliberação realizados no seio das comunidades acadêmicas e visando aprimorar as universidades para que elas atinjam os seus fins precípuos, não para negá-los. Para isso, não se pode conceber a universidade como um mascate do conhecimento. Os seus fins não podem ser orientados pela estreiteza, superficialidade e volatilidade das demandas do mercado. Universidade não é lugar de formação profissional estrita e conhecimento operacional imediato, mas de formação em sentido pleno, que articule a profissionalização com a formação humanista ‒ filosófica e artística. Portanto, se a universidade é este lugar de reflexão ampla e profunda, como conceber que questões tão sérias como a diminuição da procura e o aumento da evasão de estudantes possam ser tratadas de modo ad hoc e pragmático? Como tratar do sério problema da subocupação de vagas sem a explicitação de todas as suas dimensões e sem a disposição de enfrentá-lo em sua inteireza? E mais, como fazê-lo sem a possibilidade de até mesmo reconhecer que, em razão de aspectos conjunturais da história, algumas dessas dimensões podem estar além das possibilidades do nosso enfrentamento imediato e, portanto, demandam tempo e compreensão de que certos investimentos se fazem necessários não apenas pela sua abrangência quantitativa, mas também pelo seu valor qualitativo? Como não compreender que, às vezes, tão importantes quanto novas conquistas é preservar o que já foi conquistado? Por exemplo, o que seria da riqueza de saberes dos cursos de línguas da USP se os “não rentáveis” (eis a lógica do mercado) fossem fechados pela baixa procura? Não se trata aqui, claro, da apologia aristocrática da aversão à massificação, mas do simples reconhecimento de que, como rica malha de saberes, as universidades não podem ser orientadas pelo prosaísmo da rentabilidade e do olhar instrumental.
Enfim, as seções sindicais consideram que uma discussão séria sobre os rumos das universidades passa pelo envolvimento pleno das comunidades acadêmicas e pela liberdade de fazê-la sem as amarras do olhar prosaico de quem vê a universidade sob as lentes quantitativas dos mercadológicos resultados imediatos.