Em 29 de maio deste ano, o superintendente da SETI enviou ofício aos reitores cobrando as providências para retomada das “atividades acadêmicas dos cursos de graduação”, concluindo que a não retomada, “ainda que de maneira remota”, implicaria dentre outras consequências a não-renovação nem contratação de novos docentes temporários. Trata-se de uma chantagem explícita e completamente ilegal.

Mas, muito antes deste ofício, diversas reitorias já utilizavam essa ameaça – da não renovação dos contratos – como forma de pressionar o/as docentes a aderir às modalidades “remotas” de ensino, evidenciando dessa forma seu alinhamento com o governo.

O resultado é que, aos poucos, em todas as IEES, há um movimento de retomada do calendário na forma de atividades remotas.

Diante disso, a pergunta que se impõe é: por que a renovação dos contratos temporários do/as docentes pode ser utilizada com sucesso para chantagear as universidades pelo governo?

Em primeiro lugar, se observa que a existência de um contingente de docentes com esses contratos se tornou parte estrutural no quadro das universidades. Pesquisa de doutorado de Kelen Aparecida das Silva Bernardo,Flexibilização Contratual no Setor Público: condições e relações de trabalho dos professores temporários nas universidades estaduais do Paraná”, apurou que, em 2002, havia 564 docentes com contrato temporário, e em 2016 estes já eram 2.035. Na comparação entre docentes com contratos efetivos e temporários de 2002 a 2017, houve um incremento de 38,3% dos efetivos, ao passo que o dos temporários foi de 235,9%. A relação entre efetivos e temporários se alterou de 11,49%, em 2002, para 25,18%, em 2016! Há diferenças entre universidades. Na UEM, por exemplo, hoje os contratos temporários são praticamente um terço do total. Em geral, eles variam entre 25% e 50% nos campus. Assim, um tipo de contrato que deveria ser exceção tornou-se algo normal nas universidades, a ponto de não poderem funcionar sem muitos deles.

Chegou-se a esta situação devido à sistemática restrição, por parte dos governos do Estado, à reposição do/as docentes aposentado/as, demitido/as ou falecido/as mediante concurso público, substituindo-o/as, parcialmente, por docentes com contratos temporários. O último concurso público “autorizado” foi em 2015. Mas a restrição do governo foi acompanhada pela aceitação passiva da burocracia universitária, tornando regra aquilo que deveria ser exceção.

Em segundo lugar, há que considerar que a aceitação passiva da restrição à substituição de docentes efetivos mediante concursos públicos foi uma das tantas manifestações da renúncia das universidades a exercerem a sua autonomia conferida pelas constituições federal e estadual. Se a tivessem exercido plenamente, elas poderiam evitar o aviltamento que foi a gradual substituição de docentes efetivos por docentes com contratos temporários e condições de trabalho precarizadas. Contudo, a renúncia a realizar concursos e nomear o/as aprovado/as não foi a única manifestação da capitulação sistemática por parte da burocracia universitária. Há muito tempo, ao menos desde a década de 1990, a tendência das reitorias tem sido não confrontar o executivo para defender a autonomia, baseado no cálculo de que, dessa forma, contariam com a boa vontade dos governos. Em nome disso, aceitaram, no ano 2000, o famoso “Termo de Autonomia” do Jaime Lerner e, assim, as ingerências do governo na gestão da universidade – por exemplo, as nomeações e concursos passaram a requerer anuência do governador. Igualmente, a burocracia universitária não enfrentou a pressão para colocar as IEES no META4. Com isso, além da UENP e da UNESPAR, que já nasceram submetidas ao META4, corremos o risco de ter aprovada uma LGU que liquidará o que sobra de autonomia de todas as IEES.

O aumento dos contratos temporários não é, portanto, prejudicial apenas ao/às docentes precarizados/as. No entanto, a condição de insegurança e a impossibilidade de planejar a carreira e até as suas próprias vidas privadas os fazem suportar pressões muitas vezes intoleráveis à dignidade de qualquer pessoa. Acrescente-se a isso o fato de muito/as ocuparem, em contratos temporários, vagas de efetivos aprovados em concursos públicos – às vezes, as suas próprias vagas. Ademais, não raro, alguns/mas já prestaram seis ou sete testes seletivos, alguns quase tão rigorosos quanto qualquer concurso público.

Esta situação de opressão suportada pelo/as docentes contratado/as em regime de CRES tem a sua contrapartida na tolerância – para dizer o mínimo – com a criação de uma categoria rebaixada de docentes, para quem se empurra o fardo que muitos efetivos não querem carregar, entupindo-o/as de aulas e programas para liberar o/as efetivo/as a se dedicarem a atividades mais “nobres”.

A extensão crescente deste contingente e a naturalização de sua ocupação em tarefas por outros desprezadas revela que, no interior da universidade pública, aumenta o critério de gestão empresarial, a lógica da “iniciativa” privada, neste caso materializada na figura do “professor auleiro”. Não é difícil perceber que, no futuro, esta condição poderá se estender a todo/as o/as docentes.

Como dissemos, não se chegou a esta situação de uma hora para outra – foram no mínimo duas décadas – e tampouco isso ocorreu isoladamente. Outras linhas de ataque à natureza pública das universidades foram implementadas pelos governos e, também, do interior das próprias universidades. Não custa lembrar a pressão para implantar o EaD desde a década de 1990, a regulamentação da venda de serviços, as parcerias e o uso das instalações das universidades por empresas privadas, a hipertrofia dos cursos pagos etc. Nesse percurso, a indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão foi se perdendo para colocar a universidade a serviço de projetos privatistas.

Por muitos anos, o/as docentes em contrato temporário tiveram um tratamento mais isonômico, com exceção da natureza do contrato. Tinham direito a TIDE e participavam de projetos de pesquisa e extensão. Com o passar do tempo e o aumento das pressões do governo, ele/as foram perdendo esse tratamento e a universidade não defendeu para ele/as o princípio da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, nem o TIDE.

Ao contrário do critério que predominou até agora, segundo o qual, se não enfrentarmos o governo, poderemos contar com a sua boa vontade, a realidade demostra o contrário. Por isso, a resposta à situação do/as docentes com contrato temporário não pode se limitar a propostas pontuais e emergenciais, pois estão em jogo questões mais graves e estruturais da natureza pública das nossas IEES.

Já passou da hora de exigirmos que os Conselhos Superiores assumam sua responsabilidade e exerçam a AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Que, amparadas no artigo 207 da CF, seja pautada a direta contratação dos docentes pelas próprias universidades, como era feito até antes do segundo governo Requião; que o/as docentes com contrato temporário sejam efetivado/as por ato dos Conselhos Universitários; que as universidades convoquem os concursos públicos para preencher todos os cargos previstos na Lei 16555/2010; tratamento isonômico entre docentes com contrato efetivo e com contrato temporário.

Chamamos o/as docentes com contrato temporário a se organizem nos sindicatos docentes, que devem lhes garantir o direito e a liberdade de organização e impedir qualquer represália das chefias.

12 de junho de 2020

Comando Sindical Docente