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Em defesa da liberdade de expressão em sala de aula

06/07/2016 às 02:07

 
 
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será 
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno 
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua 
qualificação para o trabalho. (Constituição Federal de 1988)
 
A  escola  democrática  encontra-se  sob  múltiplos  ataques.  Um  dos  mais  graves  é  o Programa Escola Sem Partido, que o PL 867/2015 pretende incluir entre a Lei de Diretrizes e Bases  da  Educação  Nacional.  Este  projeto  sintetiza  as  propostas  do  movimento  homônimo, que defende que professores não são educadores, mas apenas instrutores que devem limitarse  a  transmitir  a  “matéria  objeto  da  disciplina”  sem  discutir  valores  e  a  realidade  do  aluno. Ainda segundo eles, a escola estaria usurpando uma atribuição da família. Nossa Constituição Federal  é  inequívoca  ao  afirmar  que  a  educação  é  dever  do  Estado  e  da  família  com  a colaboração  da  sociedade  –  uma  tarefa  compartilhada,  portanto,  e  não  exclusiva.  O  mesmo movimento insiste que “formar cidadãos” é “uma expressão que na prática se traduz, como todos  sabem,  por  fazer  a  cabeça  dos  alunos”  e  que  os  professores  que  elegem  esta  tarefa como uma das principais missões da escola estão dando uma prova da “doutrinação política e 
ideológica  em  sala  de  aula”.  Nossa  constituição  é  igualmente  cristalina  ao  estabelecer  os objetivos da educação e o “preparo para o exercício da cidadania” é um deles. Sendo assim, quando  um  professor  afirma  que  uma  das  principais  missões  da  escola  é  formar  para  a cidadania, ele está apenas reafirmando elementos da nossa constituição. Professores ensinam a  matéria  objeto  da  disciplina  visando  alcançar  os  três  objetivos  expostos  na  nossa constituição  e  não  apenas  a  qualificação  para  o  trabalho.  Mas  como  visar  o  pleno desenvolvimento da pessoa sem discutir valores? Como preparar para o exercício da cidadania sem dialogar com a realidade do aluno? Por isso somos contra o Programa Escola Sem Partido.
Os  criadores  do  Programa  Escola  Sem  Partido  insistem  que  o  projeto  de  lei  apenas garante  direitos  constitucionais  já  estabelecidos  e  sua  única  inovação  seria  a  proposta  da afixação de um cartaz com os “deveres do professor” em todas as salas de aula das escolas brasileiras. Esta afirmativa apresenta dois gravíssimos equívocos. Primeiro, o cartaz deveria ser intitulado  “proibições do professor”, porque é constituído por uma lista de atividades que o professor não deveria realizar em sala de aula. Elas são descritas de maneira tendenciosa, de forma  a  desqualificar  atividades  docentes  cotidianas,  e  associando-as  a  práticas  realmente condenáveis.  Um  exemplo:  “O  Professor  não  fará  propaganda  político-partidária  em  sala  de aula  nem  incitará  seus  alunos  a  participar  de  manifestações,  atos  públicos  e  passeatas”.  O professor realmente não deve fazer propaganda político-partidária em sala de aula, o que não equivale a dizer que não é indicado que se discuta questões políticas contemporâneas em sala de aula  –  pelo contrário! O professor não  deve se furtar a discutir as temáticas pertinentes à interpretação da realidade na qual os alunos estão inseridos. A segunda parte da proibição é formulada  de  maneira  especialmente  tendenciosa,  de  maneira  a  desqualificar  uma  prática salutar  para  a  educação.  “O  professor  não  (...)  incitará  seus  alunos  a  participar  de manifestações,  atos  públicos  e  passeatas”.  O  professor  deve  sim  estimular  seus  alunos  a  se manifestarem  de  todas  as  maneiras  democráticas  no  espaço  público!  Participar  de manifestações democráticas é sinal de que o aluno se sente apto a mudar o mundo no qual ele está inserido –  uma capacidade essencial na sua preparação para o exercício de uma cidadania ativa.
O  PL  867/2015,  assim  como  todas  as  suas  variações  estaduais  e  municipais,  não  se limita  a  garantir  direitos  constitucionais  já  estabelecidos,  ele  tenta  estabelecer  uma interpretação  equivocada  da  nossa  constituição,  amputando  intencionalmente  dispositivos constitucionais  com  base  em  uma  concepção  absolutamente  deturpada  do  que  seria  a  o processo de escolarização.  O projeto de lei em questão se arvora a definir os princípios que devem orientar a educação nacional, omitindo o fato de que estes já são definidos na nossa Constituição Federal e reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação  Nacional. O que percebemos  ao  comparar  os  princípios  propostos  pelo  PL  com  aqueles  estabelecidos  pela constituição  é  que  o  projeto  amputa  maliciosamente  os  dispositivos  constitucionais: “pluralismo  de  ideias  e  de  concepções  pedagógicas”  (Art.  206,  III) reduz-se  a “pluralismo  de ideias  no  ambiente  acadêmico”  (Art.  2,  II)  e  “liberdade  de  aprender,  ensinar,  pesquisar  e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (Art. 206, II) reduz-se a “liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência” (Art. 2, III). Podemos perceber  que  os  elementos  excluídos  são  todos  relacionados  à  figura  do  professor:  o pluralismo  de  concepções  pedagógicas  e  a  liberdade  de  ensinar.  No  entanto,  o  projeto  não para  por  aí,  chega  ao  extremo  de  afirmar,  na  sua  justificação,  que  “não  existe  liberdade  de expressão no exercício estrito da atividade docente”.
Nos  opomos  veementemente  a  esta  tentativa  de  excluir  todos  dispositivos constitucionais que garantem as atribuições do professor em sala de aula  e, mais do que isso, retirar  dos  docentes  seu  direito  constitucional  à  liberdade  de  expressão  no  exercício  da  sua atividade  profissional.  Nenhum  cidadão  brasileiro  em  qualquer  situação  deve  ser  privado  da sua  liberdade  de  expressão!  Todos  devem,  em  todos  os  momentos,  respeitar  os  limites impostos pelas leis à sua liberdade de fala sem nunca abrir mão dela. O professor obviamente tem  um  programa  a  seguir,  mas  como  ele  fará  isso  –  recorrendo  a  qualquer  concepção pedagógica válida e relacionando a matéria com as temáticas que julgar pertinentes – depende apenas  dos  seus  saberes  profissionais.  Devemos  confiar  nos  saberes  profissionais  docentes, formados  em  cursos  reconhecidos  pelo  MEC  para  desempenhar  sua  função  de  professor  e educador. Em defesa à liberdade de  expressão dos professores no exercício da sua atividade profissional, dizemos não ao Programa Escola Sem Partido!
 
 
Prof. Dr. Fernando de Araujo Penna
Faculdade de Educação da Universidade Fluminense
Professores contra o Escola Sem Partido
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